terça-feira, 6 de novembro de 2007

procura-se


Procuro um templo.

Um lugarzinho que me ajude a aproximar-me daquilo que me rege. Do universo que está em mim. Tan cerca y tan lejos.
Já tem alguns anos que gasto energia o procurando. Quem convive perto de mim, sabe. Religiões me fascinam, mas me enojam. Por isso cisco em todas e sigo nenhuma.
E embora este seja um assunto que sempre permeie meus pensamentos, no final de semana passado, ele veio à tona num cenário meio despropositado, com minha amiga, a Fê. Numa prosa descontraída, num momento de graça, ela esbravejou:

- Você num tem medo de ser assim, pagã? Você precisa parar em alguma religião menina! Não pode! – e gargalhava. Na verdade, nós duas.

Aí fiquei pensando nisso, mais do que o de costume. Minha posição com relação às religiões é muito peculiar. Não sei se conseguirei um dia encontrar uma na qual eu me encaixe por inteiro. Ou melhor, uma que se encaixe por inteiro em mim. Penso mesmo que só conseguirei doutrinar-me efetivamente, a partir do momento que conseguir me evidenciar distinta o suficiente, para respeitá-la e exigi-la respeitar-me. Sem esforços. Por inércia. Assim, não deixarei de ser quem sou por consenti-la, tampouco gastarei meu latim tentando reescrevê-la a meu modo.

Foi então que encontrei respostas onde jamais pensei procurá-las. Longe, longe. Lembrei do universo caipira do Riobaldo, personagem forte de “Grande Sertão Veredas” - mundo sertanejo descrito por Guimarães Rosa. Mesmo distante, interiorano, cabrunco... Foi ali que me encontrei, no sertão chucro de Riobaldo. Me entendi em seu corpo sofrido e calejado pelo serrado. Me aceitei em seu coração puro e equivocado, por acreditar-se ignorante, mediante tanta sabedoria.

Deixo então com vocês, o desabafo honesto do Riobaldo.
E faço das dele, minhas palavras.

“Sou só um sertanejo, nessas altas idéias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração. Não é que eu esteja analfabeto. Soletrei, anos e meio, meante cartilha, memória e palmatória. Tive mestre... decorei gramática, as operações, regra-de-três, até geografia e estudo pátrio. Em folhas grandes de papel, com capricho tracei bonitos mapas. Ah, não é por falar: mas, desde o começo, me achavam sofismado de ladino. E que eu merecia de ir para cursar latim, em Aula Régia − que também diziam. Tempo saudoso! Inda hoje, apreceio um bom livro, despaçado... Como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre − o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!
Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue... Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar − o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. E eu! Bofe! Detesto! − o que faço, que quero, muito curial. E em cara de todo faço, executado. Eu não tresmalho!
Viver é muito perigoso... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para concertar o consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.A gente nunca deve declarar que aceita inteiro o alheio − essa é que é a regra do rei!
O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas − mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo é às brutas; mas que Deus é traiçoeiro! Ah!, uma beleza de traiçoeiro − dá gosto! A força dele, quando quer − moço! − me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê! Ele faz é na lei do mansinho − assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.”

6 comentários:

Unknown disse...

guimarães rosa!

mto bem lembrado!

qdo encontrar tenho certeza que será a sua essência... a sua religião!

beijos fror!

Piá Minghini disse...

Mari que foto é essa, gente do céu olhar prela é como olhar por ela. Cara fiquei até mexido com essa foto, show muito linda.
O texto diz tudo o que muita gente sente acredite.
bjo enorme

Anônimo disse...

Mto bom esse trecho!!! Agora vê se esse trecho não é a minha cara:
“...eu quase que nada não sei, mas DESCONFIO de muita coisa...” DOIDA!!! Só pode!! Rs
Bom, fora o resto!! Rs
Mas, dá pra pirar e refletir mto sobre isso!! MTO BOM!! Hehe

BjOnes

Lina disse...

Morena-flor (sempre lembro de vc com esta música), que bom tudo isso. Até para meu ateísmo. Gosto dos rituais, como mitos, com mentirinhas do bem. Tu disse direitinho o que penso tm sobre religiões. Sabe Calligaris tem uma historinha boa sobre isso, vou tentar lembrar e volto para te contar. Bjão, Lina

natércia pontes disse...

cara mariana, confesso que tenho medo do Guimarães Rosa, medo da Grandeza, como se fosse mesmo medo de Deus. Teu texto limpo e as intenções também.

um beijo!

Guilherme Lima disse...

Pessoas como nós não se encontram na religião, a religião muitas vezes distancia mais do que aproxima de Deus. Não levanto mais bandeiras por medo de não conseguir carregá-las até o fim ou de descobrir que eram bandeiras hipócritas, assim como as religiões. Mas penso na bondade dos seres e tento perceber e extrair a presença de Deus nas coisas e nas pessoas. Busco Deus sim, e tenho fé, pois ela move montanhas de verdade e a gente nem repara nisso, a religião me cega.