terça-feira, 16 de dezembro de 2008

sobre mais um tempo que chega


Quando a gente é criança, bem pequenina mesmo, com aquela idade na qual só consideram-se fantasias e à realidade não credita-se a mais remota importância, vai chegando a época de fim de ano e, acreditem, começam-se as tormentas.
Tudo porque, reza a lenda infantil, este é o período no qual só o que resta é olhar para trás e buscar, na caixinha das lembranças recentes, todas as experiências vividas e promovidas durante o ano. E se, ao serem colocadas na balança, as atitudes malvadas pesarem mais do que as boazinhas, algo muito ruim acontecerá.
O Papai-Noel - aquele velhinho de sorriso fácil e doce, barbudo e gorducho, que sai pelos ares com seu trenó repleto de folguedos -, como represália, não descerá a chaminé da lareira de tijolinhos à vista, que adorna o cantinho da sala da sua casa. E você, ficará sem aquilo que tanto cobiçou durante os últimos 345 dias - o que, convenhamos, é um tempo razoavelmente grande para quem viveu apenas duas ou três vezes essa fração.

Aí a gente cresce. E aquele medo de não ganhar presente fica para trás. Bem lá atrás... Num lugarzinho distante, junto com todos os nossos sonhos desacreditados, nosso comprometimento com a vida, nosso olhar estrangeiro.
Junto com nossa capacidade de espantar-se.
Espantar-se com cada atitude intolerante, cada pai que mata filho, cada filho que mata vó, cada policial que fere, cada policial que morre, cada choro de fome, de frio, de desespero...
A gente deixa lá longe a sensibilidade que nos permite perceber quando o buraco fica bem mais embaixo. E quando o que todos tratam como causa, na verdade, é conseqüência. E deixamos também a percepção de que, em situações como esta, a recíproca não é verdadeira. Tratar a conseqüência como causa pode fazer mal a beça para alguém, para “alguéns”, ou para toda uma sociedade.

Mas então, voltando ao começo, aí a gente cresce.
E quando vai chegando este período de final de ano, ao invés de, como quando éramos crianças ignorantes e tolas, olharmos para trás e repensarmos tudo que foi desencadeado com cada atitude irresponsável, cada palavra proferida sem “lastro”, cada mão recolhida, cada tempo desperdiçado... Ao invés disso, olhamos para frente e pedimos, apenas.
Só que, ao pedir, esquecemos da máxima infantil: “maus meninos, não ganham presente”.

Espero que, este começo de novo tempo nos convide a uma reflexão profunda: seres humanos fazem parte da natureza. Salvar uma árvore torna-se uma atitude vã, quando não se cuida de gente. Só gente - e muita gente! -, tem o poder de salvar o planeta.

Um feliz Natal e um próspero ano, para toda a humanidade, por meio de nossas próprias mãos. Apenas elas são capazes de transformar.

São meus votos sinceros,

Mari

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

namastê


Uma pessoa querida, que está passando por uma fase difícil, me fez lembrar esse texto. Escrevi há alguns bons anos, mas ele continua muito vivo e pulsante dentro de mim.

O texto que segue representa as 3 principais fases do mais espetacular e complexo processo que enfrentamos em nossas vidas, metaforizado no Pai Nosso, independente da religião de cada um. Este processo é o encontro com nós mesmos, quando tentamos descobrir quem realmente somos e qual nossa verdadeira relação com Deus.

Pai Nosso que está em Nós


FASE 1:
Antes da Morte na Cruz, o Cristo nos ensinou a rezar:
Pai nosso que está no Céu / Santificado seja o Teu nome / Venha a nós o Teu reino / Seja feita a Tua vontade / Assim na Terra como no Céu / O pão nosso de cada dia nos dá hoje / Perdoa as nossas dívidas como perdoamos os nossos devedores / Não nos deixe cair em tentação / Mas livra-nos do mal / Amém

A fase em que grande parte das pessoas se encontra é esta primeira. A maioria nunca sai dela, mas tem muita gente também que sai e, sem perceber, evolui, amadurece e encontra a felicidade constante. Nela, acreditamos em Deus e somos devotos a Ele. Mas Ele está lá...longe...longe...longe............... "no céu" e nós estamos aqui "na Terra". Não passamos de pequenos seres que evoluem em passinhos de formiga. Somos insignificantes perante Sua grandeza. Ele é onipotente e nós somos indivíduos que, para viver "bem", precisamos recorrer aos socorros de Sua onipotência sempre.

FASE 2:
Após a Morte e a Ressurreição, encontramos o Pai em nós:
Pai nosso que está aqui e agora / Santo é o Teu nome / Teu reino, o nosso coração / Tua vontade se realiza em Todo o Universo / Abundante é o pão à nossa disposição hoje, perdoadas nossas dívidas e nossos devedores / Presente, o medo chega ao fim / Renunciamos às tentações / Renascemos na própria cruz / Cooperamos uns com os outros / E cuidamos do mal com amor / Assim é.

Acho que me encontro nesta segunda fase hoje. Não é tão confortável quanto a primeira, mas, por outro lado, é nela que nos reconhecemos em Deus. Conseguimos nos enxergar Nele, mas ainda não O enxergamos completamente na gente. Isso quer dizer q Ele já não está tão distante, mas também não está tão perto, ainda não temos tanto controle sobre nós mesmos quanto Ele tem. Esta fase é super importante porque é nela que começamos a perceber todo o nosso poder no que diz respeito as relações com as pessoas, com a natureza e com nós mesmos.

FASE 3:
Presente, a divisão desaparece:
Eu sou / Santo é o nome / Vivo, no coração / Sopro / Vontade que se realiza no Todo / Pão que é dado em abundância / Graça que se derrama e sustenta / Eu sou / Confiança, compaixão e sabedoria / Sem escolha / Eu sou / O amado / E o que ama / Amor / Assim /
Uma só mão bate palmas / Escutai.

Por fim, depois de muita introspecção, autoconfiança e sabedoria, chegamos à última e mais evoluída das três fases, na qual nos reconhecendo em Deus não percebemos mais a separação, o limite entre nós e ele. Temos sobre nós mesmos, sobre nossa mente e coração todo controle. Com facilidade filtramos nossos pensamentos e sentimentos, administramos as diversidades e contornamos as dificuldades. É neste momento que deixamos de nos perceber em Deus e nos sentimos Deus, somos Deus. Isto pode soar um tanto quanto ultrajante aos ouvidos de quem encontra-se ainda em alguma das fases anteriores, como eu por exemplo.

Sendo Deus, nossa mente tem o controle de absolutamente tudo, somos amor e benevolência. Somos luz. É desta falta hoje que a humanidade sofre, reconhecer-se Deus para assim deixar de se abstrair das responsabilidades para com o mundo e o outro. A responsabilidade em manter a harmonia de tudo, da natureza, das sociedades, do meio que nos envolve e de nosso próprio equilíbrio é única e exclusivamente nossa, porque Deus é o onipotente que tem o controle de tudo e nós somos Deus.

É importante lembrar que utilizar com força e devida cautela as duas palavrinhas mágicas "EU SOU" é o que nos define e capacita, sempre.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

rastro


"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."


Antoine de Saint-Exupery

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

estranheza


O lugar é frio. As janelas são metálicas.
As cadeiras e mesas e divisórias possuem cores opacas, neutras. Até o colorido do chão é sonso.
As pessoas falam baixo. Não sei se o são de fato, mas parecem tristes.
Talvez não tristes, mas felizes em mostrarem-se constantemente preocupadas, tensas.
Elas se sentam perto, mas não se falam. Sabem bem pouco uma da outra. O necessário, apenas. Às vezes, nem isso.
(confusão...)
A impressão é ruim.
São bem sucedidas. O al concour do meio ao qual pertencem. Estranho.
Estranho saber que eu deveria querer ser feliz do jeito delas, mas não quero.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

trouxeste a chave?


Perde o emprego.
Perde o rumo.
Perde a consciência.
Perde a mão. A fluência. A voz. A vez.

Perde a força.

Perde a chave.

Perde-se.

- Ei! Psiu! Escuta... Você não precisa perder sempre, não. Em meio às derrotas, brotam conquistas. Embora modestas e sutis, suficientes. Sei que pode ser difícil, mas, faça isso por si mesmo: acredite em mim.

terça-feira, 13 de maio de 2008

zeitgeist


Aí que ele assistia filmes que ela odiava.
Ele não lia, mesmo assim ela escrevia.
Ela estudava. Ele dormia e acordava.
Ele delirava, ela vivia.
Ela bebia. Ele inspirava – puxava forte.
Ela explicava, explicava... E cansava.
Ele brigava, depois chorava.
Ele se perdia, ela sempre o encontrava.
Ele amava, ela também.

- É fácil – continuou ele - É só não pensar – As palavras saíam de sua boca com serenidade que apunhalava, doçura que machucava. A feriu. E mesmo assim, sem conseguir parar de chorar, ela pediu, baixinho, numa humildade suplicantemente desesperada: “Então me ensina, por favor. Me ensina como você faz”.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

edaduas


Nem eu sabia que queria tanto
Não tinha noção da diferença desse medo, desse espanto

Hoje cheguei em casa meio sem jeito...

...E sem cheiro

Sem gosto
E sem rosto
Meio sem alegria
Ou simpatia
Sem cantos e acalantos
Sem mimos

Sem sal.

Sem cor ou malícia
Sem aquela delícia
Sem identidade
Sem vontade
Sem criatividade

Sem graça.

Até o dia ficou cinza
Sem sol
Sem brilho
Sem pleonasmos
Sem cerveja e sem papos

Sem chão
Sem direção
Sem sujeito e predicado
Sem contato

Sem você, aqui, encaixado confortavelmente ao meu lado

quarta-feira, 19 de março de 2008

como pode?


Tem coisas que, de tão geladas, queimam.
Tem belezas que, de tão belas, enjoam.
Tem cabeças que, de tão inteligentes, mesquinham.

Pois então, têm também tristezas que, de tão tristes, alegram.

São aquelas que brotam da certeza, da conformidade de algo que simplesmente não é. Vêm de uma morte qualquer, para o renascimento. Vêm do desfoque, refocado. De metas, remetidas. Vêm das pazes com Chronos, com Afrodithe e, em especial, com você mesmo. Vêm da certeza do que o universo enxerga de melhor para você. E do seu consentimento calado e sofrido. Consente porque sabe ser o melhor. ..

Por mais torto, mais estranho. Por mais triste.

segunda-feira, 3 de março de 2008

* sundae para acompanhar, senhor?


O texto que segue abaixo é o trecho final de um curta-metragem do Jorge Furtado que assisti.

Como ele, também não acredito em destino.

Acho que - no máximo! -, o que ocorre é que algumas coisas tendem a acontecer. Contextos pré-existentes facilitam alguns fatos na vida de cada um, mas até aí estar fadado à determinada sina simplesmente porque "está escrito" - como muitos acreditam – não. Isso não mesmo.

Acredito que sejamos responsáveis pelo rumo que damos à nossa vida. Acredito que se alguém tem o poder de executar algo feliz, estagnar algo infeliz, se arrepender, seguir em frente ou voltar atrás, acertar, errar e reparar, somos nós mesmos perante nossas próprias vidas. Acredito ser demonstração de infinita coragem, qualquer atitude que tenhamos que tomar que, de alguma forma, torne a caminhada de nossas vidas feliz o suficiente e, assim, ao olharmos para trás, não tenhamos a sensação de tempo perdido.

Tempo é experiência e, experiências infelizes são necessárias, mas quando deixamos que perpetuem, tornam-se tempos gastos em vão, desperdiçados... E a gente já tem tão pouco!

ESTRADA
Jorge Furtado

"(...)Você acredita no destino?
Eu não!
Eu acredito que o ser humano tem poder e totais condições para estragar a sua própria vida sem a ajuda de ninguém, tomando as decisões erradas nas horas impróprias, aliando-se a sacanagens diversas, acreditando em heróis, crentes e outros farsantes, apaixonando-se por pessoas doentes ou de péssimo caráter e, principalmente, acreditando CEGAMENTE em sua própria inteligência, bondade, charme, sanidade e senso de justiça. Um grave erro!
Às vezes as probabilidades permitem que você possa contar com alguns momentos bastante bons, que podem ser prolongados se você tiver alguém pra dividir e pra lembrar deles. Que podem ser em maior número, se você tiver a capacidade de planejá-los.
Acho que é isso: um amor recíproco, algum dinheiro, trabalho, muitos planos (prazerosos e executáveis) e (é claro!) um pouco de sorte!"

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

hasta siempre, comandante


- World Trade Center. Coming soon.

E o cinema todo comovido (pelas cenas do trailer que passou antes de começar o filme “Piratas do Caribe”, que assisti há algum tempo), enquanto um dos maiores massacres civis da história mundial simultaneamente acontecia, respaldado pela pobrezinha da potência do trailer. Ai que dó. E tinha gente que chorava.
Tudo mesmo de ponta cabeça. Tudo. As pessoas estão sem referenciais.
Ao mesmo tempo, ao redor do mundo, todos destroem Fidel Castro.
- DITADOR! Impõe, tortura e mata! Deixa seu povo sem condições dignas de vida! E a democracia do mundo, onde fica? – gritam aos montes, em todos os cantos.
Cada vez chego mais a conclusão de que fazer o caminho inverso é realmente muito mais trabalhoso que ceder ao convencional.
Não que Fidel seja um santo imaculado. Isso não mesmo. Acreditem vocês, também sentaria agora e listaria com facilidade inúmeras críticas. Mas já que é pra falar de tolhimento de liberdade, já que o argumento é sempre esse, ok. Que sejam ignoradas então, as fronteiras atribuídas a cada nação. Que o mundo seja visto em sua totalidade, sem divisões. Não existem mais países, apenas um mundo muito, muito grande.
DITADURA pra mim, é impor a esse mundo único e cheio de diferenças lindas, apenas uma verdade. É não permitir que exista uma segunda visão, uma outra opinião. É acabar inescrupulosamente com qualquer nação que cruze o caminho e interfira de alguma forma em planos de poder, matando homens, mulheres e crianças, destruindo pontes, hospitais, casas, escolas, desrespeitando as crenças e os modos de viver de cada sociedade.
E quando se chega à conclusão de que ninguém tem peito suficiente para ir contra, quem lembra?
Quem lembra daquele país pequenininho da América pobre, com um povo frágil e judiado, e um líder que, dentre seus inúmeros defeitos, foi contemplado com a mais saudosa das qualidades: a CORAGEM de dizer NÃO a quem se alimenta do sofrimento do outro. Parece ironia que aquele cara conhecido como um dos maiores ditadores da história contemporânea, tenha sido o único a se negar ao sistema ditatorial imposto ao planeta. O único que tentou, e tenta até hoje da maneira que pode, exercer em âmbito mundial uma DEMOCRACIA que, convenhamos, só existe na cabeça de quem é cego, e na condição de cego, não consegue conciliar os olhos da razão com os do coração.
Ao contrário do que se escuta por aí, o povo cubano não sofre por causa do “egoísta, sanguinário e sem coração do líder que tem”, mas sim, porque nesse mundo opiniões diferentes são vetadas, não podem sobreviver. Principalmente se colocam em risco o poderio de outrem. Você não tem o direito de achar que o correto é o caminho oposto. Caso acredite nisso de verdade, é automaticamente rejeitado. Fica ilhado.
Eleições evidentemente fraudadas e atitudes que desrespeitaram perante o mundo decisões da única organização criada para garantir a paz no planeta, a ONU; repressão covarde a nações pertencentes a cada um dos continentes do planeta, culturas inteiras exterminadas, muitas pessoas mortas, muitas CRIANÇAS mortas, cidades completamente destruídas... E isso por quê? Por cada vez mais poder, e por tudo que, direta ou indiretamente, faça alguma referência a ele.
São vítimas e mais vítimas. Histórias e mais histórias ELIMINADAS do mapa. Com bilhões de espectadores atentos e passivos a tudo.
Ninguém faz nada. Parece que todos permanecem numa sonolência inconsciente... zzzzzzz
E também ninguém quer despertar. Compreensível! Afinal de contas é muito mais cômodo e “seguro”. Toda vez que alguém desperta...
- Shhhhiiiiiiiiiuuuuuuuuuuuuuuuu!!!
É sempre massacrado por aqueles que preferem continuar dormindo.
Putz, acho que sou eu mesmo quem precisa rever os conceitos.

iHasta siempre, comandante!
E que cada vez mais pessoas acordem sem medo, como o senhor.

*Texto escrito há alguns bons anos

domingo, 17 de fevereiro de 2008

pra que esse nariz tão grande?


Ainda hoje percebo bonecos de madeira palpitando em minha vida.
- Só queremos ajudar! - é o q dizem, das mais diferentes maneiras.
O tempo todo, o tempo todo. Eles não desistem nunca. É impressionante.
Desde pequena, sempre foi assim. Sofro, sim. Muito. Mas não permito.
Eu luto.
Sou eu quem bate o martelo quando o que está em jogo é minha maneira de criar e acreditar.
Às vezes sinto medo... Às vezes acho que, enfim, me encurralaram.
Vários dos que antes estavam comigo, hoje são preenchidos pela mais nobre e maciça madeira.
Aí dá vontade de chorar. Bate uma fraqueza...
Mas continuo não deixando.


PINÓQUIO ÀS AVESSAS
Rubem Alves

Era uma vez um menininho, de carne e osso, igual a tantos que se deleitam nas coisas simples que a vida dá. Ria nos seus mundos de faz de conta, voava nas asas dos urubus, assustava os peixes, nariz achatado nos vidros dos aquários, assobiava para os perus, andava na chuva. Todas estas coisas que as crianças fazem e os adultos desejam fazer e não fazem, por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do desejo.

Não sabia que uma conspiração estava em andamento. Tudo começara bem antes, quando um nome lhe fora dado. Nome do pai. Claro, confissão de intenções: que o menino sem nome e sem desejos aceitasse como seus o nome e desejos de um outro que ele nem mesmo conhecia. Filho, extensão do pai, realização de desejos não realizados, sobrevivência do seu corpo, uma pitada de onipotência, uma gota de imortalidade.

"Que é que ele vai ser quando crescer? Médico? Diplomata? Cientista?"

E as conversas se prolongavam, temperadas com sorrisos e boas intenções, enquanto silenciosas se teciam as malhas do desejo em que pai e mãe esperavam colher/ acolher/ encolher o menino dos desejos simples...

Até que chegou o dia em que lhe foi dito: “É preciso ir para a escola. Todos os meninos vão. Para se transformarem em gente. Deixar as coisas de criança. Em cada criança brincante dorme um adulto produtivo. É preciso que o adulto produtivo devore a criança inútil.”

E assim aconteceu. Há certos golpes do destino contra os quais é inútil lutar.

O menino de carne e osso aprendeu coisas curiosas: nomes de heróis, frases que teriam dito, as alturas de montes onde nunca subiria, as funduras de mares onde nunca desceria, a distância de galáxias, o 'SE', partícula apassivadora, o "se", símbolo de indeterminação do sujeito, nomes de cidades de países longínquos, suas populações e riquezas, fórmulas e mais fórmulas...

Sabia que tudo aquilo deveria ter um motivo. Só que ele não entendia. O desejo permanecia selvagem. E disto eram prova aquelas notas vermelhas no boletim, testemunhas de como o menino cavalgava longe do desejo dos outros, conspiradores secretos, escondidos na monotonia dos currículos que não faziam o seu corpo sorrir...

"Pra que serve tudo isto?", ele perguntava. E o pai respondia, sábio e paciente: “Um dia você saberá. Por hora basta de saber que papai sabe o que é melhor para seu filho...”

O menino cresceu. E aconteceu que, em meio às suas rotinas, veio a se encontrar com dois cavalheiros bem vestidos e de fala branda, que se puseram a contar estórias de um mundo encantado sobre o qual ele nunca ouvira falar. Eles disseram de heróis em aventais brancos cavalgando microscópios e telescópios, brandindo máquinas fantásticas e aparelhos misteriosos, em meio a líquidos mágicos que faziam viver e morrer, encastelados em templos onde as coisas visíveis ficavam invisíveis e as coisas invisíveis ficavam visíveis, e lhe disseram de prodígios de verdade, e lhe perguntaram se ele não desejava se transformar num mago, num artista... A recompensa? O Poder, o conhecimento de segredos que ninguém conhece, a glória, ser olhado por todos como um ser diferente, sublime, superior. Se os seus prodígios fossem maiores que os de todos, ele poderia aparecer no palco supremo da ciência, em país distante, onde os mortais se revestem de imortalidade...

O menino grande se lembrou dos sonhos do menino pequeno. E sorriu. Finalmente, chegara o momento da sua realização. Estranhou que os narizes dos respeitáveis cavalheiros tivessem crescido enquanto falavam. Mas, logo o tranqüilizaram: “É só para te cheirar melhor, meu filho...”
Começaram as transformações. Primeiro os olhos. Já não refletiam outros olhares e nem borboletas...

Aprenderam a concentração, a disciplina. Depois o corpo, que desaprendeu a dança, o vôo dos papagaios e o brinquedo. Era necessário dedicar-se totalmente. Os pensamentos abandonaram as fantasias e os contos de fadas. Passaram a morar no mundo das fábulas e dos experimentos. Até o prazer da comida se satisfez com os sanduíches rápidos do almoço, e na cama o corpo se esqueceu do corpo...

E aprendeu coisas preciosas. Que o corpo do cientista é neutro. Que ele não se comove por considerações de valor ou prazer. Que está acima da vida e da morte (isto é coisa de políticos, militares e clérigos), em dedicação total ao saber. Bastava-lhe ser um devotado servidor do progresso da Ciência.
Mas tantos sacrifícios acabaram por receber merecida recompensa. A sorte soprou, favorável, e de seu corpo diferente surgiu uma nova magia, e o palco da imortalidade lhe foi aberto. Lá, perante todos, compreendeu que valera a pena. Duas lágrimas lhe rolaram pela face.

Já não era o menino de outrora, carne e osso, crescera. Estava diferente. Os aplausos de madeira enchiam a sala. Era a glória. E foi então que o milagre aconteceu. O recinto se encheu de suave luminosidade, e a Mosca Azul, que até então só habitava os seus sonhos, veio de longe e roçou o seu rosto com suas asas. E a grande transformação aconteceu. Era um boneco de madeira, inteligência pura, sem coração. E os milhares de bonecos, iguais, de pé, não paravam de tamanquear os seus aplausos ao novo irmão, enquanto gritavam o seu nome: ”Pinóquio, Pinóquio , Pinóquio...”

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

ai... pé na bunda...


Bom, apenas para completar o post abaixo, acabei de receber mais um daqueles e-mails sensacionais das assessorias de imprensa alucinadas por um lugarzinho ao sol nas concorridíssimas páginas jornalísticas que rondam o mundinho atual. (Pausa para respirar...rs) Páginas “SUPERRR sérias e idôneas”, vale ressaltar. Mas olha, estas mensagens costumam me proporcionar momentos de extrema alegria, admito. Com esta, não aconteceu diferente. O release atendia pela seguinte alcunha: “O Poder do Pé na Bunda!”

hahahahahahhahahahah... INCRÍVEL! Definitivamente, merece um post!

Seguem uns trechinhos do lazarento:

“Muitas pessoas passam por momentos ruins, que todos conhecem como: a 'hora crítica', o 'dia de facão' (???), ou, mais popularmente, o famoso 'pé na bunda'. Como reagir? Se os dinossauros não tivessem levado um pé na bunda da mãe natureza, o que seria hoje da civilização humana? E se não fosse o pé na bunda do Napoleão? (Pelamordedeus, do que será que eles estão falando???) Foram os erros os melhores precursores do sucesso. Jamais fique esperando o pé na bunda! Existem pessoas que, por insegurança, temem receber o cartão vermelho. Isso atrai o que você menos quer. Então, jamais tenha insegurança. Einstein recebeu seu pé na bunda na escola primária, porque a professora acreditava ser ele uma criança especial... (qüém, qüém, qüém, qüém...) Assuma o controle da sua vida, do contrário, será um infeliz constante, aguardando pelo momento da depressão. A depressão jamais será sua amiga, apenas concorrente. (Jeovááááá!!! O que será que eles querem dizer com isso???)"

Mas retomando o porquê do post e a relação com o texto anterior, por incrível que pareça, no meio de tantas trevas existia – sim! – um pequenino feixe de luz. Eis que uma frasezinha escondia uma informação interessante: “Foram os momentos de crise que causaram a evolução de toda a humanidade. Em chinês, CRISE significa oportunidade”.

Crise e oportunidade. Acho que no meio de tanta besteira, consegui encontrar um significado mais positivo para meu momento atual. O ”poder do pé na bunda” do release me mostrou o ângulo que denuncia o “quase cheio” do copo.

Taí! Gostei! O que de maneira nenhuma alivia a catástrofe prenunciada no release... afffffffffff

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

mais uma chance! mais uma chance!


Sim, sim, sim! Estou em crise! E qual o problema?
- Me conte! Me conte! Me conte! Me conte! (Ná, essa foi pra vc! hahahah)

Mas, não. Nã-não! Não é uma crise generalizada. É uma crise direcionada. Uma crise ocupacional, se assim puder especificá-la.

Eu sei que fui eu quem escolheu tudo. Teoricamente então, não poderia reclamar. Mas pôxa, acho que agora estou desescolhendo. (Será que existe este direito na constituição vigente? O da DESESCOLHA?). Sei também que nasci na era da uma chance. Que vivo na cidade da uma chance. Que convivo com pessoas que só me dão uma chance. Mas, por favor, sem querer pedir demais, será que tenho mais uma chance?

Então, algumas situações dão um click na cabeça da gente. Hoje entrei no blog Haja Saco e li o texto “Ah, coração...”. Aí me toquei porque tanto bode do jornalismo. Não gosto de textos com ventrículos e artérias. Gosto dos textos livres, dos soltos. Daqueles que batem descompassados e nem por isso correm o risco de uma morte súbita causada por uma parada cardíaca. Gosto dos verdes, não dos vermelhos. Gosto daqueles que respiram no próprio tempo. Daqueles que criam unidades particulares de tempo. E que ousam, contando seu período de vida a partir delas. Daqueles que contam experiências. E que mudam quando dá na telha. E que voltam atrás. E que desdizem sem vergonha. Sem prestar satisfações.

Em nome de tudo isso, venho por meio deste - não pedir! -, mas suplicar por mais uma chance. Uma chance de escolher de novo, um jeito novo de ser quem sou. Um jeito diferente de me descobrir, me encontrar no mundo. De vasculhar meu lugarzinho aqui, onde estou. De fazer diferença.


Nota: acabei de receber de uma amiga o link do site deste cara: Yeondooyung. Ele faz diferença. Ou faz diferente. Ele fotografa desenhos infantis. Não sei se muda diretamente alguma coisa no mundo. Mas com certeza muda nele. E agora mudou em mim.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

matemática da gente


É tão estranho pensar em gente. Gente é tudo diferente. Sempre foi. E em cada uma das zilhões de gentes que existem e já existiram, infinitas possibilidades. E em cada possibilidade, muitas dúvidas. Em cada dúvida, uma escolha. Em cada escolha uma renúncia. E mais um sofrimento. E mais uma alegria. Diferente a cada uma. A cada gente.
Mas quantas dúvidas cabem em uma gente?
Se for tamanho único, cabem pelo menos umas 87/minuto. Porque na minha gente é assim. Na gente que habita em mim.
Mas quantos minutos cabem nas gentes?
Se desse pra calcular isso, conseguiríamos nos prestar contas de quantas dúvidas. E quantos medos. Por vida.
Ia dar pra fazer uma planilha no excel, como para as finanças todo mês. Daria pra controlar.
Sim. Porque para cada dúvida, oitocentos medos.
E aí o caminho bifurca.
Do medo, apenas duas alternativas: o enfrentamento ou a fuga.
Do enfrentamento geralmente brota alegria. E da fuga, frustração.
Mas nem sempre é assim.
Por isso que é difícil.
Por isso que a gente duvida.
E escolhe. E renuncia. E sofre. E se alegra. E vive.
Assim.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

algumas imagens falam por si


Foto por Bruna Fernandes. Amiga querida que presenciou este momento de paz.
Paz pra ela quando lá.
Paz pra ela agora aqui.
Paz para nós também.
Paz para quem olha, e se permite lá.
Valeu Bru!