segunda-feira, 19 de novembro de 2007

a morada da permanência


Um dia eu tive um pesadelo.
Sonhei que tinha perdido...

Que tinha perdido a espontaneidade de gritar quando sinto vontade,
De xingar quando dá no saco,
De chorar quando me comovo... Ou me revolto.
De encostar nas pessoas enquanto falo.
De tremer frente as injustiças,
Ou de simplesmente não achar normal.
De abraçar com desejo... Muito desejo.
De beijar estalado,
De apontar quando tá errado,
De tentar consertar. Pelo menos tentar...
De me desculpar envergonhada,
De dançar debochado,
De gargalhar escrachado.
De me desesperar perdida,
De me permitir feliz, acolhida.

E o sonho triste se repetia.
Dava medo.
Medo de um dia acordar e perceber que aquilo não era mais sonho.

E o medo aparentemente nocivo, de repente evidenciou-se criativo
Pois me permitiu perceber, que essência, a gente nunca perde.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

no trouble


Não há motivo para desespero. Sempre existe uma saída! Consulte nosso solucionador de problemas.


terça-feira, 6 de novembro de 2007

procura-se


Procuro um templo.

Um lugarzinho que me ajude a aproximar-me daquilo que me rege. Do universo que está em mim. Tan cerca y tan lejos.
Já tem alguns anos que gasto energia o procurando. Quem convive perto de mim, sabe. Religiões me fascinam, mas me enojam. Por isso cisco em todas e sigo nenhuma.
E embora este seja um assunto que sempre permeie meus pensamentos, no final de semana passado, ele veio à tona num cenário meio despropositado, com minha amiga, a Fê. Numa prosa descontraída, num momento de graça, ela esbravejou:

- Você num tem medo de ser assim, pagã? Você precisa parar em alguma religião menina! Não pode! – e gargalhava. Na verdade, nós duas.

Aí fiquei pensando nisso, mais do que o de costume. Minha posição com relação às religiões é muito peculiar. Não sei se conseguirei um dia encontrar uma na qual eu me encaixe por inteiro. Ou melhor, uma que se encaixe por inteiro em mim. Penso mesmo que só conseguirei doutrinar-me efetivamente, a partir do momento que conseguir me evidenciar distinta o suficiente, para respeitá-la e exigi-la respeitar-me. Sem esforços. Por inércia. Assim, não deixarei de ser quem sou por consenti-la, tampouco gastarei meu latim tentando reescrevê-la a meu modo.

Foi então que encontrei respostas onde jamais pensei procurá-las. Longe, longe. Lembrei do universo caipira do Riobaldo, personagem forte de “Grande Sertão Veredas” - mundo sertanejo descrito por Guimarães Rosa. Mesmo distante, interiorano, cabrunco... Foi ali que me encontrei, no sertão chucro de Riobaldo. Me entendi em seu corpo sofrido e calejado pelo serrado. Me aceitei em seu coração puro e equivocado, por acreditar-se ignorante, mediante tanta sabedoria.

Deixo então com vocês, o desabafo honesto do Riobaldo.
E faço das dele, minhas palavras.

“Sou só um sertanejo, nessas altas idéias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração. Não é que eu esteja analfabeto. Soletrei, anos e meio, meante cartilha, memória e palmatória. Tive mestre... decorei gramática, as operações, regra-de-três, até geografia e estudo pátrio. Em folhas grandes de papel, com capricho tracei bonitos mapas. Ah, não é por falar: mas, desde o começo, me achavam sofismado de ladino. E que eu merecia de ir para cursar latim, em Aula Régia − que também diziam. Tempo saudoso! Inda hoje, apreceio um bom livro, despaçado... Como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre − o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!
Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue... Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar − o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. E eu! Bofe! Detesto! − o que faço, que quero, muito curial. E em cara de todo faço, executado. Eu não tresmalho!
Viver é muito perigoso... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para concertar o consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.A gente nunca deve declarar que aceita inteiro o alheio − essa é que é a regra do rei!
O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas − mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo é às brutas; mas que Deus é traiçoeiro! Ah!, uma beleza de traiçoeiro − dá gosto! A força dele, quando quer − moço! − me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê! Ele faz é na lei do mansinho − assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.”